Um papo com Sara Bertrand

Em agosto, a autora chilena Sara Bertrand desembarca no Brasil para uma série de atividades em Salvador e São Paulo. Na programação, estão os lançamentos dos livros ‘A Memória do Bosque’ e ‘Lá fora, os Fantasmas’, pela Solisluna/Selo Emília; o curso de escrita ‘Diário de Viagem’, realizado pela Solisluna; e bate-papo com leitores e minicurso na Flipelô - Festa Literária Internacional do Pelourinho.

Natural de Santiago, a escritora já esteve uma vez em Salvador, na ocasião do lançamento do seu primeiro título publicado no Brasil, ‘A Mulher da Guarda’ (Solisluna/Selo Emília).

Nessa entrevista, ela fala sobre os novos projetos, a relação com a Solisluna e com a Bahia.

Você também pode acompanhar as atividades e se programar para participar.


- De que forma você conheceu a Solisluna e como começou a parceria com a editora?

Conheci a Solisluna graças à (revista) Emília, especificamente à Dolores Prades (sócia-fundadora do Instituto Emília), que me falou sobre a possibilidade de publicar no Brasil com Valéria Pergentino (sócia-fundadora e editora da Solisluna). As duas mulheres, devo dizer, são grandes defensoras da literatura em geral e da literatura infantojuvenil em particular, e não é trivial dizer isso, porque muitas vezes editores e editoras se deixam levar por modismos ou pelas necessidades do mercado, por isso eu aprecio pessoas como Dolores e Valéria, que assumem uma certa militância pela literatura, pelo poder que a literatura tem - não só de mobilizar as pessoas, mas também de transformar o mundo.


- O que veio antes: a relação com a Solisluna ou a relação com a Bahia? Quantas vezes já esteve aqui?

Começo dizendo que minha relação com a Bahia, hoje, é de enorme respeito e admiração por sua cultura nos mais amplos termos, gosto de tudo: sua música, dança, arquitetura, literatura, poesia, dos modos de fazer e de dizer. E a verdade é que isso se deu graças à minha amizade com Valéria, editora da Solisluna. Durante a pandemia, naqueles dias sombrios e sempre iguais, começamos a nos encontrar semanalmente como uma forma de escapar do tédio. Então, ela me ensinava português e eu a adiantava com o espanhol. Pouco a pouco, esses encontros semanais também se tornaram uma troca de leituras, paisagens, música e isso foi gerando em mim o entusiasmo pela sua cultura, as mulheres baianas, acredito, não são apenas lindas, mas muito talentosas e tenho gostado de me aproximar de sua literatura e pensamento. A forma que elas assumiram na defesa do patrimônio imaterial do qual são guardiãs.


- Em agosto você tem algumas atividades em Salvador, como o curso de escrita a ser realizado com a Solisluna, o lançamento de dois novos livros pela editora e a participação na Flipelô. Qual a sua expectativa para estes momentos?

Bem, como em qualquer encontro com leitores, tenho expectativas de estar à altura de suas perguntas e inquietações, servir de ponte entre suas dúvidas e as minhas, fazer aquela troca especial que as oficinas e conversas produzem, quando o pensamento é lançado em um coletivo para ser questionado, redefinido e, finalmente, produzir certos sentidos comuns. Me parece que não há experiência melhor (depois de ler, certamente, e depois de escrever, às vezes) que esse encontro aberto com leitores. São momentos de parar, alimentar a conversa e permitir reflexões que nem sempre acontecem no cotidiano.

- O que o participante pode esperar do curso de escrita ‘Diário de Viagem’?

Os resultados das oficinas de escrita dependem, em grande parte, da disposição de cada participante de parar e olhar. A observação é a mãe da escrita, e o que fazem cursos desse tipo é oferecer ferramentas para que isso aconteça. No caso do ‘Diário de Viagem’, trata-se de uma proposta para olhar nosso cotidiano como algo extraordinário, diferente, para poder perceber o inusitado no habitual. Qualquer vida pode ser narrada. Em outras palavras: todos nós somos um romance a ser escrito e, para isso, só temos que nos colocar à disposição. Assim como no filme Ratatouille (2007), eu diria que qualquer pessoa pode escrever, que é um ofício que exige horas de prática e é isso que a oficina lhes proporciona: um espaço para exercitar-se.

- Na Flipelô, você vai estar na mesa ‘Escrever as Mães - Maternidade e Resistência’, que é também o nome do seu próximo livro. Por favor, fale um pouco sobre esse trabalho.

Gostaria de começar contando uma infidelidade: ‘Escrever as mães’ começou como uma encomenda de Valéria. Ela queria que eu escrevesse uma coluna para a Newsletter da Solisluna e eu disse que escreveria sobre mães, então, comecei a ler. Primeiro, reli todas escritoras, poetas e ensaístas que tenho em minha biblioteca, prestando atenção em como elas escreviam “as” mães e uma coisa levou a outra e segui lendo outras autoras que não estavam em minha biblioteca Depois de um mês, Valéria me perguntou sobre o artigo, eu disse que estava um pouco atrasada e continuei lendo, de forma imparável e, de repente, percebi que havia lido pelo menos 60 livros sobre histórias de maternidade, maternidade real, não falsa, sabe? E fiquei surpresa ao ouvir essas mulheres contando sobre suas próprias experiências e comecei a escrever. Quando Valéria me perguntou novamente como estava indo o artigo, tive que admitir que não ia escrevê-lo. e sim, algo mais longo, um ensaio, um livro sobre mães, sobre filhas, sobre filhos, sobre o relacionamento das mães com elas ou eles e com suas próprias mães e avós, ou seja, com toda a cadeia de maternidade que ocorre antes de uma mulher se tornar mãe. E foi assim que entendi a importância dessa literatura como uma forma de emancipação, para deixar a mãe institucional e patriarcal e entrar diretamente nas mães reais, nas mães singulares. Esse é o ponto de partida. O resto, vocês terão que ir à palestra na Flipelô (risos).

- Pela Solisluna, juntamente com o Selo Emília, você lançou 'A Mulher da Guarda' e 'Patos e Lobos-marinhos'. Os próximos são 'A Memória do Bosque' e 'Lá Fora os Fantasmas'. Por favor, fale um pouco sobre esses livros.

Em termos gerais, tanto A memória do bosque (com ilustrações da colombiana Elizabeth Builes), quanto Lá fora, os fantasmas (ilustrado pela mexicana Amanda Mijangos) tratam dos medos da infância. O primeiro, trata do desenraizamento, e o segundo, do medo do escuro, da ausência da mãe, aquele medo quase atávico que todos nós já tivemos em algum momento: a noite, a falta de amor. Então, eu diria que esses são livros para conversar, para deixar sobre a mesa e permitir que as crianças dialoguem com suas próprias florestas e fantasmas, mas, acima de tudo, são livros que funcionam como perguntas. Gosto que as crianças formulem suas preocupações porque elas tendem a ser muito perspicazes com suas dúvidas e, acima de tudo, muito profundas, capazes de elaborar muito bem suas emoções.

- Qual o perfil do seu público leitor no Brasil? Identifica alguma diferença entre eles e os leitores chilenos ou de outros países?

Para mim, os leitores são uma categoria que agrupa as pessoas mais díspares, como clubes ou grupos de dança. A gente chega lá sem saber exatamente o que vai encontrar, mas acontece que você reconhece a sua turma, porque eu sou, antes de tudo, uma leitora e, como tal, não gosto de nada melhor do que estar com outros leitores e falar sobre leituras. Como você pode ver, uma comunidade imensa e aberta que dialoga, sofre, ama, se desespera, enfim, seres humanos inquietos, que tendem a habitar espaços de questionamento sem se sentirem muito desconfortáveis.


- Por que decidiu ser escritora?

Ufa, para responder a essa pergunta, eu teria que começar de Adão. Ou talvez seja suficiente dizer “porque eu leio”. Desde criança, os livros me acompanharam enquanto eu crescia, foram grandes companheiros de viagem e, em um sentido muito particular, formam parte da minha vida. Não me imagino sem eles. Portanto, escrever tem sido outra maneira de continuar lendo.




PROGRAME-SE!


Lançamentos livros infantis
‘A Memória do Bosque’ e ‘Lá fora, os Fantasmas’
Dia 06 de agosto (domingo)
16 horas
Livraria LDM do Shopping Bela Vista - Alameda Euvaldo Luz, 92, Horto Bela Vista, Salvador

Oficina de Escrita Criativa ‘Diário de Viagem’
Dias 7 (segunda-feira) e 8 de agosto (terça-feira)
18h30 às 21h30
Casa Rosa - Praça Colombo, 106, Rio Vermelho, Salvador
Vagas limitadas - Inscrições no link. https://materiais.solisluna.com.br/oficina-diario-de-viagem

Flipelô
Mini curso para jovens ‘Caderno de notas’
12 de agosto (sábado)
10 às 13 horas
Fundação Casa de Jorge Amado - Sala Myriam Fraga - Largo do Pelourinho, 15, Salvador

Flipelô
Mesa Escrever as Mães - Maternidade e Resistência
13 de agosto (domingo)
11h
Museu Eugênio Teixeira Leal - Rua do Açouguinho, 1, Pelourinho, Salvador

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