Um papo com Mira Silva

Representatividade e protagonismo negro na literatura infantil.

Reconhecida profissional do audiovisual, Mira Silva comandou, por muitos anos, diversos programas de destaque na Rede Bahia, em Salvador. Atualmente, é diretora do ‘Encontro com Patrícia Poeta’, da TV Globo. Estreia como escritora e lança pela Solisluna ‘A Árvore mais Sabida do Mundo'

Confira a entrevista com Mira Silva: ela fala sobre a sua trajetória na literatura, os desafios enfrentados e a expectativa com o seu primeiro livro.

Por que você escolheu o público infantil para a sua estreia como escritora? 

Sempre rabisquei algumas coisas e não era direcionado para o público infantil, mas, há uns 12 anos, quando comecei a trabalhar com esse público, passei a vê-lo de uma forma diferente, especial. Passei a estudar literatura infantil e fiz vários e cursos de escrita criativa, exercitando a  escrita de histórias para crianças. Sigo escrevendo para o público infantil, buscando a criança que há dentro de mim. E eu gosto dessa volta à minha infância.

Você é uma profissional do audiovisual. Como se deu o interesse por produzir literatura? Qual a relação entre as duas artes? 

Eu trabalho com audiovisual há muito tempo, mas sempre gostei de literatura. Lá atrás fiquei até na dúvida se fazia mestrado em Letras porque, a literatura está ligada à educação e a educação é o que me move. Eu acredito muito na educação como uma ferramenta transformadora das realidades, porque ela transformou a minha realidade. Hoje escrevo roteiro também para ficção e para documentário, então, já é uma forma de escrita. São narrativas, estão interligadas. As duas artes têm essa força na palavra. Tudo começa na palavra escrita.

Como a literatura ajuda no empoderamento de crianças negras? 

Para mim é importante demais. Eu acho que a gente demorou muito tempo sem nos ver representados, principalmente nos livros infantis. Nos livros infantis, principalmente. Esse protagonismo, por anos, era só de crianças brancas. É fundamental que as crianças negras se vejam como protagonistas nas histórias contadas através da literatura infantil, na primeira infância, quando elas têm acesso à escola, isso é fundamental, é transformador. Que bom que agora a gente passou a escrever mais e mais as nossas próprias histórias, e que as nossas crianças têm mais facilidade aos livros escritos por escritores e escritoras negras. Isso muda completamente o olhar dessa criança, e a valorização sobre ela mesma.

O que te motivou a escrever um livro sobre a importância da educação, em especial em uma família de pessoas com menos oportunidades?

Eu sou uma pessoa nordestina e sei o quanto é difícil o acesso à educação ainda hoje. Fico muito emocionada quando falo desse assunto. Quanto é difícil o acesso à educação básica ainda para algumas famílias. Então, como eu disse no início, a educação é uma ferramenta transformadora de realidades. Eu trabalho com a educação há muito tempo, transversalmente. No audiovisual, tenho vídeos que falam disso, , na educação, porque eu acho que ela me transformou e transforma a vida de todas essas crianças que têm acesso à educação de qualidade. Eu vou falar sempre dessas questões que nos atravessam,  que nos tocam, e as crianças pobres, negras, elas enfrentam muita dificuldade, ainda hoje, para ter acesso à educação básica, à creche, ao ensino fundamental. Quantas crianças ainda estão fora ? Isso para um país é vergonhoso, é uma realidade muito triste.

Por que o baobá foi a árvore escolhida para simbolizar o lugar da professora, o espaço de acolhimento e aprendizado? 

Nós somos natureza! E a baobá é uma árvore africana que tem uma simbologia na nossa ancestralidade e é muito representativa para o nosso povo.

É uma árvore forte, de tronco largo,  raízes profundas e galhos longos. Estamos vivos, estamos indo em frente porque somos um pouco dessa árvore. Nossos ancestrais nos deram raízes profundas para não sucumbirmos, não cairmos com facilidade. Eu trouxe essa simbologia: a professora e a mamãe. Eu quis misturar essas duas forças para poder dar também mais potência a essa protagonista, uma menina que quer ler, estudar e que, diante de todas as dificuldades, ela não perde o seu sonho. E no livro, essas crianças são acolhidas e cuidadas  por este tronco largo, como deveriam ser na nossa sociedade, mas infelizmente muitas vezes isso não acontece. 

Fale um pouco sobre esta parceria com a Solisluna Editora? 

Eu já conheço a Solisluna há muito tempo. Sou amiga de Valéria Pergentino (sócia-diretora da Solisluna), Enéas Guerra (sócio-diretor da Solisluna) também, a família inteira... Eu acompanho a história deles há muito tempo, conheço a maioria das publicações, já li vários livros da Solisluna, sei o amor que eles têm pelo livro, que eu também tenho. Dessa forma, eu não podia escolher um lugar melhor pra nascer minha primeira história do que desse útero que pari tantas histórias interessantes e que eu gosto tanto. E trazer junto a amizade. Publicar um livro numa editora que você já tem uma irmandade, que trata com responsabilidade e cuidado temas que nos tocam, é muito importante e determinante para minha escolha. Sou 'solislúnica'!


Como se deu a escolha da ilustradora Suzane Lopes? 

Eu confio muito na Solisluna e confio muito em Valéria, especialmente, que foi quem me apresentou Suzane Lopes. Eu passei algumas indicações, o que é que eu queria, como eu pensava… Quando Valéria trouxe o desenho de Suzane, quando eu vi a menina (personagem), o lugar (onde se passa a história), e recebi um áudio dela, me agradecendo e dizendo que era um pouco a história dela  - a história de todas nós, mulheres pretas, de alguma forma brasileiras, nordestinas. Eu agradeço de coração a ela pela delicadeza, pelo cuidado e por abraçar essa história, que agora não é mais só minha, é de tantas outras pessoas.

Quais as suas referências de escritores ou escritoras?

Na verdade, eu não tive livros na infância, mas fui alfabetizada muito cedo, pois, apesar das dificuldades, a minha mãe fez tudo que estava ao seu alcance para nos colocar na escola É uma realidade igual a de muitos brasileiros. Meu acesso aos livros veio através da escola, sempre fui apaixonada por eles, e as histórias também vieram através da e da oralidade. Histórias reais contadas por minha avó paterna, uma senhora negra que nasceu nas últimas décadas do século XIX e pelas ladainhas e poesias da minha mãe.. Nos últimos tempos, tenho procurado ler muita literatura negra, com o propósito de conhecer essas escritas e, por conseguinte, as minhas histórias. Comecei a acessar tudo que eu posso ler hoje. É como se fosse uma recuperação, correndo para alcançar os que nos tiraram. Hoje tenho por perto as escritas de...Conceição Evaristo, Paulina Chiziane, Angela Davis, Djamila Ribeiro, Toni Morrison, Carla Akotirene, Alice Walker, Bell Hooks, Carolina Maria de Jesus e potências jovens como Mel Duarte e Ryane Leão.

 

A árvore mais sabida do mundo
Autora: Mira Silva
Ilustradora: Suzane Lopes
ISBN: 9788553300235

Edição: Solisluna
Idioma: Português
Formato: 16,8 x 22 cm
Nº de páginas: 36
Encadernação: Capa dura
Ano de publicação: 2024

 

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